COMVIDA se soma na Luta em Defesa da Terra Indígena Igarapé Laje - Fora Invasores!

                                

INVASÃO INÉDITA DA TERRA INDÍGENA IGARAPÉ LAGE

MAIOR DESASTRE AMBIENTAL EM TERRAS INDÍGENAS DE RONDÔNIA


O Poder Público dá as costas para os indígenas de Guajará-Mirim

A invasão por colonos da Terra Indígena Igarapé Lage, que vem acontecendo na surdina, pode tornar-se o maior desastre etno-ambiental em terras indígenas do Estado de Rondônia.

A gravidade da inação e leniência, a passividade, e a falta de eficiência dos órgãos responsáveis, Funai, Polícia Federal e Ministério Público Federal, dão um péssimo recado e alimentam novas invasões.

A Terra indígena Lage, ilha de floresta do povo Wari no "mar do agro"

O grande povo Wari´ possuía um imenso território onde hoje estão os municípios de Guajará-Mirim e Nova Mamoré. Através de Projetos de colonização, da grilagem liberada e da criação de Unidades de Conservação, o Estado tomou a maior parte desse território. Só restou para os Wari uma pequena porção descontínua, demarcada em ilhas a golpes de régua. Uma delas é a terra indígena Igarapé Lage de 107.321 hectares, sob a administração da Coordenação Regional da FUNAI de Guajará-Mirim, que foi homologada e Registrada no SPU em 1981. Sua população é de 900 indígenas do Povo Oro Wari ou Wari, distribuídos em 12 aldeias. Das 08 etnias Wari, predominam os grupos Oro Ram, Oro Ramxijein e Oro Mon que são os moradores tradicionais dessa terra e de seus arredores. Os Wari´ tiram sua subsistência da caça, da pesca, da coleta do mel, da castanha e de outros frutos da mata, do plantio de bananas, laranjas, arroz, feijão, batata doce, macaxeira, e da farinha de mandioca. Todos esses produtos são orgânicos.

Por outro lado, os Wari que, a partir da década de 80, são expostos à contaminação mercurial através do consumo do peixe, consequência da atividade garimpeira no rio Madeira e seus afluentes, também estão sendo contaminados por agrotóxicos devido à expansão do agronegócio em torno de suas terras. Em 02 anos, os pastos foram substituidos por plantios de soja e de milho. As aplicações de agrotóxicos nesses plantios contaminam o lencol freático e os igarapés, sendo que todos eles atravessam a terra indígena para desaguarem no rio Lage. E se não for tomado providência, a soja transgênica entrará na parte invadida, a revelia da legislação e dos indígenas.

 Invasão maciça e inédita da TI Lage pela Linha 28 de Nova Dimensão

A pressão da colonização sobre as terras indígenas Karipuna e Uru Eu Wau Wau, bem como sobre as Unidades de Conservação à proximidade das referidas terras, denunciada, há anos, a nível nacional e internacional, alcançou as terras indígenas Wari´.

A invasão da TI Lage por colonos, pela Linha 28 C do Distrito de Nova Dimensão, no Município de Nova Mamoré, iniciou no final de 2021; aumentou em 2022 para chegar agora, em 2023, a um ponto alarmante. Caso não haja desintrusão imediata, iremos nos deparar diante do maior desastre ambiental em terras indígenas de Rondônia, com milhares de hectares de floresta derrubadas, “às barbas” das autoridades responsáveis pela fiscalização.

Essa invasão é inédita pelo número de invasores, a duração do conflito, a facilidade de acesso pela BR 421, a superfície de floresta derrubada e prestes a ser derrubada, a presença de máquinas pesadas, a madeira de lei retirada a grande escala, tudo isso acontecendo numa impunidade total, apesar das denúncias e dos gritos de socorro dos indígenas, e de petições encaminhadas ao MPF-RO.



No primeiro semestre de 2022, de 300 a 400 colonos armados entraram na terra indígena Lage pela Linha 28. Uma imagem satélite de setembro de 2022 evidencia uma derrubada de 20 km de extensão, atravessando a Terra Indígena de Norte a Sul, tendo, em média, 200 metros de largura,  o que representa um desmatamento de 400 há.

Uma imagem satélite mais recente evidencia a abertura de ramais durante a época chuvosa entre as Linhas 28 e 29;

No primeiro semestre de 2023, invasores mais antigos começaram a levar seus produtos para Nova Dimensão. Muitos semearam capim prejudicando para sempre a floresta que não poderá se recuperar.

A porção de 8.000 há, loteada a partir da Linha 28, começou a ser derrubada. E no início de junho de 2023, os invasores abriram novas frentes de invasão pelas Linhas 20 e 24, iniciando o loteamento de uma área 2 vezes maior. Atraídos pela "fofoca", colonos de municípios vizinhos, inclusive da BR 361, estão chegando para entrar “por bem ou por mal”. Essa invasão é criminosa e todos devem sair "por bem ou por mal”.

Maquinários pesados aceleram a depredação

Um castanhal foi inteiramente derrubado, sendo que a castanheira, além de ser protegida por lei, é  fonte  de  alimentos  e  renda para  os  indígenas.    A madeira  de lei sai livremente em grande quantidade. A Polícia Federal que pegou em  flagrante um  operador  de   motosserra, ainda   não   autuou   um  trator  ou  caminhão.  Não  há  de  duvidar  que  há  vazamento  de informação.

Igarapés foram danificados com a passagem de tratores. Máquinas pesadas cruzaram o rio Lage. O barulho de trator foi ouvido próximo à aldeia tradicional Koyai, uma aldeia tradicional com muita história, onde 30 Wari Oro Mon e Oro Yowin foram contactados em 1969, 08 anos depois do contato oficial. Essa destruição afeta  profundamente os Wari.

                          Visita de parentes na aldeia Koyai, 08/ 2005. No segundo plano, o paiol de milho

Denúncias dos indígenas verso ação ineficaz ou inércia do Poder Público

No final de 2021, indígenas levaram denúncias informais para a Funai. Servidores foram até a divisa e flagraram um colono saindo da terra indígena de motocicleta. Como não entraram na mata, não puderam avaliar a importância da invasão; essa ação pontual não chegou a intimidar os invasores. O Poder Público perdeu a oportunidade de "cortar o mal pela raiz".

Em abril de 2022, um Wari gravou um vídeo na língua materna denunciando a invasão maciça nas redes sociais. A partir de então, os Wari entraram em ação. Alguns Wari queimaram o tapiri de um invasor que os perseguiu, armado de espingarda. Diante do ocorrido, os Wari entenderam que não cabia a eles enfrentarem os invasores, armados e cada vez mais numerosos.

A Organização Oro Wari enviou para o MPF- Guajará-Mirim um primeiro documento, datado de 30/05/2022.

Os dois vereadores indígenas promoveram uma Audiência Pública de 30/05 a 02/06/22. O Ministério Público Federal e a FUNAI não compareceram na Audiência, o que deixou a todos os indígenas indignados e preocupados.

               Protesto dos Wari contra a omissão do Poder Público, frente à sede da FUNAI -06/2022

Em 08/06/22, uma centena de Wari de diversas terras indígenas de Guajará-Mirim ocuparam a   sede   da   FUNAI   durante   08   dias,   exigindo   a   retirada   dos  invasores  e  a   troca do Coordenador Regional. O Coordenador foi substituído,  mas não  houve desintrusão da TI Lage.

                                             Liderança da TI Lage durante a ocupação da Funai

Diante da omissão do Poder Público, a Organização Oro Wari enviou um ofício para a Coordenadoria da 6ª Câmara que, a par da gravidade dos problemas enfrentados, agendou uma “live” com as lideranças para o mês de julho de 2022. Na live, a Coordenadora informou que tinha nomeada a então “Procuradora em Guajará-Mirim” para assumir a 6ª Câmara do MPF para o Estado de Rondônia. As lideranças ficaram surpresas com essa escolha; mesmo assim, deram seu voto de confiança com a esperança que a desintrusão ocorreria o quanto antes.

Durante o mês de agosto inteiro, os invasores prosseguirem as derrubadas e, em 04/10/2022, uma imensa fogueira levantou uma nuvem de fumaça que cobriu o Distrito de Nova Dimensão por vários dias.

Petições da antropóloga Aparecida Vilaça: 

A antropóloga Aparecida Vilaça do Museu do Rio de Janeiro que, desde o ano de 1986, trabalha com os Wari e, é falante da língua, recebeu depoimentos assustadores que motivaram uma primeira petição para o MPF-RO, em 30 de junho de 2022; diante da ausência de providências, Vilaça enviou uma 2ª petição dois meses depois, enriquecida de mais informações e fotos recebidas dos Wari. Infelizmente, as petições não surtiram efeito.

A omissão do Poder Público encoraja os invasores

No ano de 2022, tanto a FUNAI como a Polícia Federal não entraram na Terra Indígena, alegando a falta de efetivos. No segundo trimestre de 2022, a investigação policial se limitou a um ou dois voos de helicóptero no mês de junho, o que não permitiu avaliar o tamanho da invasão, pois os colonos estavam “brocando” (roçando) debaixo da copa das árvores.

No mês de agosto de 2022, a FUNAI derrubou a casa de fiscalização, um casarão construído com recursos de compensação da Hidroelétrica do Jirau. A destruição do referido casarão, na entrada da Terra Indígena na Linha 28 C, foi mais um sinal verde para os invasores.  

Nem sempre foi assim.

As tentativas de invasão na década anterior, foram sempre cortadas pela raiz. A tentativa mais ousada ocorreu no final de 2015, com uma invasão orquestrada das terras indígenas Lage, Karipuna e Ribeirão. Em meado de janeiro de 2016, a partir do relatório da Funai, do pedido do Bispo de Guajará-Mirim que temia violência e de um documento da Organização Oro Wari, o MPF em Guajará-Mirim solicitou a intervenção do Exército por ser área de fronteira internacional; movimento que, em poucos dias, entrou em ação, realizando de forma pacífica a desintrusão.

Novas invasões em 2023

No amanhecer do dia 06 de junho de 2023, os moradores da aldeia Linha 24 se depararam diante de dezenas de colonos armados atravessando a sua aldeia. Avisaram a Funai que chamou a Polícia Federal. Os colonos que foram informados da operação policial, regressaram. Ao chegar, a polícia encontrou os colonos em fuga, espalhando-se pelos pastos. Diante de mais de 60 homens armados, os policiais não se aproximaram. Poucos dias depois, os colonos voltaram a invadir a Linha 24 e, pela primeira vez, entraram pela Linha 20.

Clima tenso nas aldeias 24 e 26 da TI Lage

Desde a tentativa de invasão frustrada pela Linha 24, o clima nas aldeias 24 e 26 ficou tenso.  De noite,  ninguém está dormindo direito, pois vez ou outra, aparece um estranho que sai correndo quando é visto. Por duas vezes, invasores intimidaram um indígena que tinha ido fazer compras em Nova Dimensão. Desde então, os Wari da aldeias 24 e 26 permanecem ilhados, aguardando ansiosos uma proteção policial, a fiscalização da FUNAI, e principalmente a chegada do reforço para a desintrusão da área.

Terras indígenas e Povos originários vítimas da Política de Governo Bolsonaro

No Governo anterior, o Brasil tornou-se “uma terra sem lei” onde terras indígenas e Unidades de Conservação foram invadidos com a complacência e/ou a anuência dos Órgãos de fiscalização. Os crimes compensaram por não serem combatidos. Como agravante, Órgãos Federais como a Funai, ICMBio e Ibama, que já padeciam de falta de estrutura para fazer seu dever, foram deliberadamente sucateados ou amordaçados em nome de uma ideologia de progresso que vigora desde os anos 60 e 70 do século passado, que na realidade melhor se amolda à política de atraso e devastação em prejuízo de toda sociedade para lucros de alguns poucos “amigos do rei”.

“Bandeirantes” do século XXI

Rondônia está repetindo os erros do passado, portanto essa geração será julgada severamente, e se não for agora, será pelas futuras gerações. Num passado ainda recente, matava-se os indígenas para lucrar com minérios ou borracha, e as epidemias faziam o resto. Hoje, a forma mudou, mas a ignorância é a mesma. Apesar do acesso à informação e da mudança das consciências, os “bandeirantes” do século XXI invadem, desmatam, ameaçam, e matam se preciso for; ignorando que a floresta é um “santuário” para a sobrevivência física e cultural dos Povos Originários, garantido pela Lei Maior (Artigo 231 da CF de 1988), que a mesma tem uma biodiversidade riquíssima e que, ainda, garante o equilíbrio das chuvas nas regiões Centro Oeste e Sul do país.

Através da impunidade, o Estado torna-se ator de destruição

Através da impunidade, o Estado encoraja a invasão e se torna ator de destruição. Em menos de três décadas, as propriedades de Rondônia acabaram com sua Reserva Legal exigida pela lei do Código Florestal; grileiros invadiram a totalidade da Zona 2 do Zoneamento (reservada para atividades extrativistas); madeireiros e serrarias fizeram a farra graças à corrupção de alguns servidores de órgãos de fiscalização; Unidades de Conservação e terras indígenas são invadidas mais do que nunca. Em vez de denunciar esses crimes ambientais, o Legislativo e o Executivo do Estado de Rondônia vêm justificando-os.

Como a invasão se tornou possível

Essa invasão a grande escala está ocorrendo devido à atuação de uma organização criminosa, ao silêncio cúmplice da sociedade envolvente, à inação ou falta de ação eficaz dos Órgãos de fiscalização e do MPF-RO a quem foram dirigidos pedidos de socorro com urgência. 

Enquanto o mundo inteiro está preocupado e padecendo com as mudanças climáticas, e que o novo Governo procura limpar a imagem do Brasil, Rondônia continua a devastar suas florestas impunemente, deixando os Povos originários humilhados e indignados diante da depredação de seu território, sem saber a quem recorrer, e a mercê de um confronto armado.  

O novo Governo vai ou não vai honrar sua palavra

Diante dessa tragédia etno-ambiental, lideranças foram a Brasília e denunciaram a invasão da TI Lage para as  autoridades competentes; essas últimas  se comprometeram em tomar providências. Desde então, soubemos da desintrusão da TI Karipuna, mas a TI Lage continua entregue aos invasores. Dentro de alguns dias ou semanas, a derrubada não se contará em centenas de hectar⁷es como em 2022, mas em milhares.

Nos dirigimos aos Responsáveis do Poder Público Federal para que cumpram seus deveres e tomem as devidas providências: desintrusão imediata da terra indígena Lage, plano de proteção emergencial da referida terra e dos indígenas ameaçados, e uma investigação policial séria para que os culpados sejam julgados e punidos de maneira exemplar, inclusive políticos e servidores omissos do Poder Público.


 Guajará-Mirim, 26 de junho de 2023

Organização Oro Wari

Pastoral Indigenista de Guajará-Mirim

Diocese de Guajará-Mirim

CIMI -Conselho Indigenista Missionário /Rondônia


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